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18 junho 2024

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Brasil ‘repete erros cometidos da 1ª onda e precisa de bloqueio total’, diz neurocientista

'Com o espaço aéreo no Brasil aberto, nós estamos repetindo todos os erros da primeira onda', afirmou o neurocientista Miguel Nicolelis
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Brasil 'repete erros cometidos da 1ª onda e precisa de bloqueio total', diz Neurocientista
Brasil 'repete erros cometidos da 1ª onda e precisa de bloqueio total', diz Neurocientista

“Acabou. A equação no Brasil é a seguinte: ou o país entra num lockdown nacional imediatamente, ou não daremos conta de enterrar os nossos mortos em 2021.” Essa mensagem foi escrita no Twitter pelo neurocientista Miguel Nicolelis, mundialmente famoso por suas pesquisas sobre a interface entre cérebros e máquinas.

Professor da Universidade Duke, nos Estados Unidos, Nicolelis foi um dos criadores do Projeto Mandacaru, grupo formado por voluntários das mais diversas áreas que dá orientação e consultoria sobre o enfrentamento da pandemia aos nove estados que compõem a região Nordeste.

Nessa entrevista para a imprensa no Brasil, o neurocientista avalia a repercussão de sua mensagem no Twitter e aponta a sequência de erros que colocam o país em segundo lugar no ranking de mortes por Covid-19 no mundo.

Ele diz estar extremamente preocupado com o momento atual, de segunda onda de casos ou repique da primeira, agravado por campanhas eleitoras, aberturas pelo país e festas de fim de ano.

“Estamos num momento que era propício e imediato para ter uma intervenção nacional pela primeira vez. Para parar, para ter uma queda dramática e rápida de novos casos até que a campanha de vacinação começasse. Eu estou vendo esse momento com extremo pessimismo, porque a gravidade é óbvia.”.

Questionado sobre o impacto econômico dessa medida drástica, Nicolelis afirma que “se realizarmos um isolamento social rígido, um lockdown por duas ou três semanas, com só serviços essenciais funcionando, é possível minimizar os danos econômicos no futuro”.

Nesta quinta-feira (7), Brasil atingiu a marca dos 200 mil óbitos pela doença.

Saiba os erros repetidos pelo Brasil, confira entrevista

Imprensa Brasil – O sr. fala em “intervenção nacional” contra a pandemia. O que seria isso?

Miguel Nicolelis – O Brasil precisa fazer algo muito parecido ao que aconteceu na Grã-Bretanha nos últimos dias. Isso, aliás, veio a partir do comitê científico britânico, que pressionou o primeiro-ministro e o governo para fazer um lockdown mesmo com o início da campanha de vacinação por lá. Era óbvio que não dava pra esperar pra vacina fazer seu efeito populacional. É preciso conter a escalada para o sistema de saúde não colapsar.

O que nós precisávamos por aqui era justamente isso. Ter um comando central. Uma mensagem única, disseminada para o país inteiro, com transparência, com bons dados, com boas práticas. E nós precisaríamos, na minha opinião, de um lockdown por duas ou três semanas para reduzir a pressão no sistema de saúde.

A pressão não é mais só dos casos agudos de coronavírus. Nós temos agora todos os casos acumulados do ano passado, que não puderam ter atendimento por causa dos hospitais lotados. E temos também um número enorme de pacientes com sequelas da Covid-19 que vão precisar de atendimento médico. Estamos falando de duas enormes demandas por serviços médicos, internações e unidades de terapia intensiva. E ainda há um terceiro grupo, que são de todas as doenças que estão represadas. Pacientes que estão sofrendo de doenças crônicas e agudas e precisam de cuidados médicos.https://tpc.googlesyndication.com/safeframe/1-0-37/html/container.html

Nós vemos algumas particularidades muito específicas dessa segunda onda. Nós temos uma cepa que é mais transmissível, o que significa que vamos ter mais pessoas infectadas. Além disso, há um número de jovens e crianças afetados que está aumentando proporcionalmente. Até hospitais pediátricos em São Paulo estão com problemas de demandas de vagas para atender casos.

Um exemplo dramático disso é Manaus. A cidade colapsou muito mais rapidamente do que na primeira onda. E colapsou a um ponto que o prefeito veio dizer que o sistema de saúde não foi o único afetado. Ele teme um colapso do sistema funerário neste momento. Essa é uma preocupação que existe desde a primeira onda e ficou por debaixo do tapete, sem ninguém falar sobre isso. Mas foi algo que aconteceu em Nova York, no Texas e está acontecendo na Califórnia neste momento. Essa é uma grande preocupação, porque se você começa a perder a mão do sistema de manejo das vítimas, dos corpos, você começa a gerar problemas de saúde pública secundários gravíssimos.

Imprensa Brasil – Nas últimas semanas, acompanhamos dois fatores que podem agravar ainda mais a situação da pandemia: a questão das aglomerações de final de ano e as novas cepas do coronavírus detectadas no Reino Unido e na África do Sul. Como o senhor analisa esses novos ingredientes numa equação que já se mostra tão complicada?

Nicolelis – No começo de novembro, o Comitê de de Combate ao Coronavírus do Consórcio Nordeste propôs que era preciso ver o que estava acontecendo no cenário internacional. Porque já existia uma segunda onda europeia gravíssima. A gente ainda não sabia de novas cepas, mas essa era uma previsão que estava em nossas mentes. Porque é algo que ocorre, não é uma grande surpresa. Aconteceu na pandemia de 1918 e em outras ocasiões.

A gente só não sabia de onde viria essa nova cepa e qual seria a gravidade da segunda onda. Em 1918, a segunda onda foi a mais letal de todas. Todos os modelos que nós apresentamos desde abril para os governadores do Nordeste levavam em conta e tinham a possibilidade dessa segunda onda e quando ela poderia surgir.

No Nordeste, tivemos lockdowns que foram feitos nas capitais e medidas de isolamento social que atrasaram a segunda onda. Mas as campanhas eleitorais e as aberturas econômicas feitas ao léu geraram aglomerações que sincronizam a segunda onda no país inteiro. Esse é o grande drama.

A gente ainda não tem os dados completos da letalidade das novas cepas. A cepa da África do Sul é muito preocupante. Há mortes acontecendo na Austrália por causa da cepa britânica. Ela também já foi detectada no Japão. Isso significa que ela correu o mundo, como era de se esperar.

Com o espaço aéreo brasileiro aberto, nós estamos repetindo todos os erros da primeira onda. Com o agravante de que o país inteiro está tendo curvas de crescimento, algumas mais rápidas do que lá no início. Então essa é uma situação muito assustadora.

Imprensa Brasil – Quando se fala em lockdown, em fechar novamente o comércio, algumas pessoas argumentam que a economia brasileira não vai aguentar e as consequências podem ser terríveis. Como o sr. analisa e responde a essas previsões?

Nicolelis – É evidente que sou sensível a todo o debate sobre a questão econômica. Mas essa dicotomia é falsa. Se o número de mortes começar a disparar, o sistema de saúde colapsa e nós não temos condições de manejar a pandemia da maneira correta. O que vai então acontecer com a economia? Ela também vai colapsar. As pessoas vão começar a morrer em números altíssimos por outras doenças e não vamos ter nem gente para fazer a economia girar. Não vamos ter pessoas para trabalhar, produzir e consumir bens.

Se nós tivéssemos feito um lockdown nacional em março de 2020, como a Grécia fez… Aliás, a Grécia detectou dois casos e, em 48 horas, o país estava em lockdown completo. A Grécia não tinha sistema hospitalar, estava falida do ponto de vista da saúde pública, e conseguiu ser um dos melhores países europeus durante a pandemia. Quer outro exemplo? O Vietnã, com 100 milhões de habitantes, é um país pobre com muito menos recursos de saúde pública que o Brasil. E eles tiveram 35 mortes.

A gente sabe como a coisa funciona e essa não é a primeira pandemia da história da humanidade. Existe uma farta literatura sobre isso. E todas as pandemias onde você fez isolamento social conseguiram baixar os números de casos e de mortes. Isso vale mesmo para aquelas doenças com uma taxa de infecção e de letalidade muito maior a essa que enfrentamos atualmente.

Se realizarmos um isolamento social rígido, um lockdown por duas ou três semanas, com só serviços essenciais funcionando, é possível minimizar os danos econômicos no futuro.

Eu vou dar uma prova disso. Na pandemia de 1918, todas as cidades americanas que fizeram as medidas de isolamento, bloquearam o fluxo de pessoas e paralisaram suas economias, se saíram melhor do que as cidades que não fizeram nada, deixaram a pandemia correr solta e censuraram a informação para sua população. Locais como Nova York, Boston e Filadélfia, que não reagiram da maneira correta, tiveram grandes perdas humanas e terríveis problemas econômicos durante e após a pandemia. Outras cidades, como Pittsburgh, por exemplo, se saíram muito melhor.

Imprensa Brasil – O sr. comentou que o Brasil está cometendo os mesmos erros da primeira onda. Mas quais foram as grandes oportunidades que nós perdemos no manejo da pandemia?

Nicolelis – Foi uma sequência trágica de erros. Primeiro, minimizar a gravidade da pandemia. Não se preparar antes dela chegar ao Brasil. Nós tivemos quase três meses para nos prepararmos em termos de material de proteção, máscaras, enfim, organizar o país antes do tsunami. O segundo erro foi negar o tsunami. Terceiro, não criar um comando verdadeiramente nacional, centralizado, um estado maior de combate à pandemia que tivesse uma missão clara.

Esse comando poderia ajudar os estados não só do ponto de sanitário, mas financeiro. Além disso, decretar o fechamento do espaço aéreo internacional brasileiro no começo de março e fazer bloqueios nas rodovias principais. Era absolutamente previsível que as estradas iriam espalhar os casos para o interior do Brasil. Nas primeiras três semanas de março, São Paulo foi responsável por 85% dos casos do país. Se tivéssemos bloqueado só São Paulo… O aeroporto de Guarulhos recebeu o maior fluxo de pessoas vindas do exterior e nós poderíamos ter barrado esse trânsito para o resto do Brasil aqui. Mas nós não fizemos nada.

Nós não tivemos uma voz nacional que, ao longo da pandemia, transmitisse as informações corretas e cientificamente validadas, que basicamente eliminasse as fake news e não promovesse o uso de remédios que não funcionam, por exemplo. Existem milhões de brasileiros que ainda acreditam na cloroquina. Ou que ainda creem que existe um tratamento profilático contra o coronavírus.

Olha São Luís hoje. A capital do Maranhão fez talvez o melhor lockdown do Brasil. É a única capital do Nordeste neste momento que está há meses com números de óbitos e casos estabilizados. Fortaleza fez o segundo melhor lockdown. Na sequência, aparecem Recife e João Pessoa. Esses lugares se beneficiaram tremendamente dessas políticas, que eram simples e que foram oferecidas efetivamente logo no início da pandemia. Compare os dados de São Luís com a cidade de São Paulo. Você vê na hora a distinção. Enquanto São Paulo se arrastou com milhares de novos casos e centenas de mortes diárias, São Luís conseguiu levar esse número para o mínimo possível.

Outro exemplo interessante foi Belo Horizonte, que teve uma resposta impressionante. O prefeito entendeu que tinha que ouvir os técnicos, os cientistas e os sanitaristas da cidade. Ele não tinha experiência pessoal nenhuma, mas ouviu. Tanto é que foi reeleito logo no primeiro turno. A resposta foi correta e ele procurou quem sabe do assunto.

No Brasil, faltou comando, faltou mensagem, faltou definir prioridades, faltou preparo e faltou acreditar na ciência. O drama que eu sinto nesse momento, por isso que fiz esse tweet há alguns dias, é que nós estamos repetindo todos os erros. Acrescidos da total inépcia na definição de um programa nacional de imunização pelo Ministério da Saúde.

É uma incompetência total, uma falta de qualquer tipo de visão estratégica, logística e sanitária de quão vital é ter essa campanha de vacinação nas ruas imediatamente. Acabei de ler agora há pouco uma entrevista do fundador da Anvisa, que eu conheço muito bem, falando que é inacreditável como o Ministério da Saúde simplesmente não moveu um dedo para comprar seringas, agulhas e os insumos necessários para organizar o plano nacional de imunização.

Nós ainda não temos uma definição de quais vacinas vão ser usadas no Brasil. Porque não temos a aprovação da autoridade sanitária competente federal, que é a Anvisa.

Com informações da BBC/G1
Foto: Divulgação

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