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Cenário de violência marcou a comunidade após operação policial no Jacarezinho

Oito das 28 pessoas mortas durante a operação foram baleadas dentro de cinco casas espalhadas pela favela
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Chão coberto por sangue de morto no massacre do Jacarezinho: operação policial deixou mortos e feridos Foto: Mauro Pimentel

Ruas e vielas, salas de estar e quartos na Favela do Jacarezinho, na Zona Norte do Rio, reúnem as inúmeras marcas da violência em decorrência da operação da Polícia Civil realizada na última quinta-feira, dia 6, que resultou em 28 mortes. Logo após o confronto, representantes de entidades de direito humanos percorreram pontos da comunidades, indicados por meio de denúncias e pedidos às ouvidorias, como a da Defensoria Pública do Rio. Os registros tanto em fotos quanto em vídeos, mostram muito sangue e buracos de bala por toda a parte, também presentes nas narrativas de terror contadas por moradores, que guardam na memória o trauma da ação mais letal da história do Rio. Entidades de direitos humanos classificaram a operação como um massacre.

Antonio Carlos Costa, presidente da ONG Rio de Paz, cuja sede fica no Jacarezinho, percorreu os locais onde houve a ação policial e contou que o cenário era de guerra. Havia muito sangue e cápsulas pelas vielas e becos. Ele e voluntários da organização estiveram em duas casas, inclusive numa delas onde mora uma menina de 9 anos que estava com a família, quando um homem, baleado, foi ao quarto dela para se esconder, se cobrindo com o lençol da cama da criança. A menina não quer mais dormir no local, porque está traumatizada.

— Foi uma ação esmagadora. Os rapazes não tinham como fugir. Pelos relatos que ouvimos de moradores, alguns tentaram se esconder em algumas casas e outros se renderam. A esposa de um deles contou para a nossa equipe, que o marido contou, por meio de mensagens de um aplicativo, que a polícia estava chegando até ele. Ele se despediu dela dizendo que iria se render, mas achava que morreria assim mesmo — contou Antonio Carlos. — Não estamos inaugurando uma nova era na segurança pública. Pelo contrário. Se o estado diz que foi prender criminosos que estavam aliciando menores, porque não oferece oportunidades para que esses jovens não sejam usados pelo tráfico? — comentou o presidente da ONG.

Ele relembrou que, na morte do policial civil Bruno Guimarães Bühler, de 36 anos, conhecido como Xingu, da Core, atingido por tiros no Jacarezinho, em 2017, também houve um cerco da polícia semelhante ao realizado na última quinta-feira. Segundo Antonio Carlos, a sede da ONG chegou a ser atingida por vários tiros.

No dia em que foi realizada a operação, à tarde, defensores públicos e integrantes da área de direitos humanos formaram uma comissão para ouvir moradores e visitar a favela. A equipe percorreu os locais de confronto, ouvindo as famílias que tiveram os imóveis invadidos que, traumatizadas, relataram a violência que presenciaram.

O ouvidor da Defensoria Pública Guilherme Pimentel disse, em entrevista coletiva na última quinta-feira (6), dia das mortes, que as cenas na favela eram chocantes.

— Entramos em algumas casas que foram invadidas e as pessoas nos contaram que os corpos foram retirados. O que chamou atenção foi o trauma de quem reside nos domicílios onde aconteceu. A situação é muito delicada. Há a necessidade de se investigar o desfazimento de cena, porque realmente havia rastros de sangue que denotam que os corpos foram arrastados no interior das casas. A nossa visita foi muito intensa. Os pedidos de socorro que chegaram na Ouvidoria não eram em vão. Infelizmente atender pedidos de socorro nas favelas tem sido cada vez mais comuns — comentou Guilherme.

Oito das 28 pessoas mortas durante a operação foram baleadas dentro de cinco casas espalhadas pela favela. Os dados estão nos registros de ocorrências sobre os homicídios elaborados na Delegacia de Homicídios (DH). Uma análise feita pelo GLOBO nos documentos revela que os homicídios aconteceram em dez pontos diferentes da favela, entre 6h e meio-dia. Ao todo, 27 policiais lotados em cinco delegacias estiveram envolvidos nas mortes, e todas as vítimas foram retiradas das cenas de crime e levadas para hospitais, prejudicando a perícia.

Joel Luiz, advogado do Instituto de Defesa da População Negra e morador do Jacarezinho, também disse na coletiva de imprensa da Defensoria Pública, que não há estado democrático de direito em favelas. Segundo ele, há uma briga do estado contra a sua população.

— Nós como defensores dos direitos humanos já vimos de tudo: chacina do Fallet, a da Baixada. Inúmeros casos de violência praticada por agentes do estado no Rio. Ainda assim, a gente se surpreende. Se estamos assustados é porque foi além do imaginável. É muito difícil para mim, como morador local, ver na esquina onde tomava cerveja em condições normais, ao longo da vida, ver um cenário de guerra. É você pisar em diversas cápsulas. Ver canos arrombados pelas balas com água espirrando. Uma porta de comércio com mais de 50 tiros. Não é uma troca de tiros que, infelizmente, estamos acostumados a ver. É bem mais grave. Não há lógica ou explicação — avaliou Joel

Por O GLOBO

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