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Madonna sai em defesa da hidroxicloroquina no tratamento da Covid-19 e é vítima de etarismo

Polêmica da cantora pop expõe debate sobre preconceito contra idades, que pode afetar a saúde de pessoas com mais de 60 anos
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Nos últimos dias, Madonna publicou em seu Instagram um vídeo em defesa da hidroxicloroquina no tratamento da Covid-19. A rede social excluiu a postagem pela divulgação de informações falsas. Mas já era tarde demais, ao menos para seus críticos — entre eles, seus próprios fãs, que a chamaram de “velha” e “gagá” e até discutiram seu “cancelamento” por aprovar o uso de um medicamento sem comprovação científica de eficácia.

A diva pop, que completa 62 anos neste domingo (16), foi vítima de etarismo (ou ageísmo), o preconceito contra pessoas ou grupos com base na sua idade. A exposição que Madonna tem na mídia, há quase quatro décadas, trouxe à luz uma questão ainda pouco discutida nesses casos: a sociedade encara o envelhecimento como um grande problema.

No episódio com Madonna, a polêmica em torno da cloroquina perdeu força diante das indagações debochadas nas redes sociais sobre a saúde mental da cantora. Se, ao longo de sua carreira, a artista confrontou padrões conservadores da sociedade — como quando simulou se masturbar na apresentação de “Like a Virgin” na premiação do Video Music Awards, ou quando se vestiu de dominatrix no clipe de “Erotica” —, hoje Madonna combate as convenções sociais impostas a ela após ter chegado aos 60 anos.

Doutora em Ciências da Comunicação pela ECA-USP (Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo), Cíntia Liesenberg avalia que as redes sociais transpareceram o lugar de estigma imputado àqueles que avançam para a terceira idade. E, ainda, invalida qualquer opinião vinda de pessoas mais velhas.

“A polêmica é motivada pela opinião controversa, que está num cenário propício a um ponto de vista contrário. Mas se desloca para o olhar sobre o envelhecimento e a forma que se atribui à velhice um lugar de ‘velha’, quando o termo é colocado de maneira pejorativa. O fato de Madonna ter divulgado fake news aparece, nesse contexto, por ela ser mais velha e não saber lidar com tecnologias ou não ter entendimento daquilo”, afirma Liesenberg ao TAB.

Por que idade é ofensa?

O clima de polarização política dos últimos anos também reflete as divergências entre a declaração de Madonna e os xingamentos de seus detratores. Madonna sempre reverenciou a comunidade LGBTQI+ e, além de criticar o próprio Trump, também compartilha em suas redes sociais mensagens de ativistas negros como Angela Davis e Malcolm X. Contudo, fez coro ao discurso de políticos conservadores como o próprio Trump e Jair Bolsonaro.

“Se ela falasse a favor [da cloroquina] com uma notícia pautada em resultados científicos e com fontes fidedignas, vamos dizer assim, ainda poderia gerar uma polêmica. O que me assusta é que o envelhecimento entrou como ponto de atributo negativo nisso.”

Ofensas disfarçadas — ou não — de piada escancaram a rejeição que a população idosa enfrenta. A opção ao declínio biológico é envelhecer de forma ativa e “higiênica”. É o que acredita a psicóloga e mestre em gerontologia social pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) Isadora di Natale Nobre. Ela explica que as críticas direcionadas à idade da Madonna vão muito além de um simples posicionamento contrário ao dela.

“Quando Madonna faz um discurso que não condiz com as pessoas que a seguem, essa identificação é quebrada — e as reações acabam sendo agressivas, não só no sentido do que ela falou, mas por tudo o que ela representa. E aí vira uma fantasia e uma ilusão de um ícone que também tem suas vulnerabilidades, falhas, indecisões e ambivalência.”

Essas declarações reforçam o lugar negativo da velhice, que não é visto como um processo natural da vida. “Quando o outro envelhece, a negação vem como mecanismo de defesa. Essa é uma das bases do etarismo. [A negação] é no sentido de não conseguir lidar e enxergar algum aspecto nosso no outro. Considerar a velhice do outro é considerar a nossa própria. Considerar uma fragilidade e uma vulnerabilidade no outro é integrá-las à nossa própria finitude. A questão da velhice está muito ligada à finitude. Existe essa dificuldade da sociedade em lidar com a morte.”

Pressa pelo novo

A advogada e especialista em gerontologia social Natália Carolina Verdi recorda que, antes mesmo de a OMS (Organização Mundial de Saúde) declarar a Covid-19 uma pandemia, a fala comum entre as pessoas era que se tratava de uma doença letal exclusivamente para os idosos. Ainda que estejam entre o público mais afetado — a própria Madonna foi infectada —, já sabemos que o vírus também faz vítimas fatais entre recém-nascidos e adultos. Na avaliação da especialista, falta a contemporização do diálogo com idosos para uma parcela significativa da sociedade, seja a maior estrela da história da música pop, seus avós ou algum conhecido da família. Segundo ela, silenciar uma pessoa também é demonstração de violência.

“Quando falo de contemporizar é colocar-se no mesmo contexto e respeitar a opinião dessa pessoa. Ela faz parte de uma família, de uma sociedade, ela tem uma vivência e outra história. A questão é que não se abre um diálogo, e quando isso é feito, vira deboche. E do deboche vem a ofensa. Vira um ciclo vicioso”, observa Verdi.

Madonna não foi a primeira e nem será a última vítima de etarismo, porque o envelhecimento populacional está em ascensão em todo o planeta. Sob a ótica de Verdi, o país caminha para um “apagamento” em massa de histórias de vida, porque esse público não é enxergado como deveria pela sociedade. Suas necessidades e vontades são ignoradas em detrimento da pressa pelo novo, algo intrínseco ao capitalismo, em que o idoso não se encaixa por estar em oposição a esses ideais. Ao TAB, Verdi conta que, se o poder público e a sociedade não fizerem sua parte, o futuro próximo tende a repetir os problemas do presente.

“Penso que nossa legislação, ao taxar a idade de 60 anos como o começo da velhice, considera apenas o aspecto biológico de quem viveu mais, e por essa razão, a sociedade acaba taxando igualmente, de maneira rasa e simplista, pessoas dessa idade como velhas — esquecendo que todas as pessoas têm consigo uma história, merecem respeito, merecem ser ouvidas e precisam ter voz”, opina.

Padrão de envelhecimento?

A aproximação com a terceira idade é colocada como um flerte com a morte, e tal impugnação é uma das sustentações do etarismo. Para Nobre, esse medo faz com que se estabeleçam modelos ideais de velhice, como se isso tornasse o enfrentamento das próprias limitações da saúde menos ameaçador. “A sociedade que cria e alimenta esses estilos de vida é a mesma que os julga”, diz a psicóloga. Da senhora que faz tricô em casa ao senhor maratonista, ninguém é poupado de julgamentos alheios. Nem mesmo Madonna.

Em meio a um bombardeio de dedos em riste, Nobre acredita que não existe um padrão ideal de velhice. E também alerta que o etarismo pode causar problemas sérios de saúde, da ansiedade à depressão. “Esses modelos trazem rigidez e sofrimento psíquico em vários aspectos. Eu acredito no sentido de viver a velhice de uma forma ética. [O filósofo Michel] Foucault usa um termo muito bom, a ‘estética da existência’, que é poder lidar com sua vida como uma obra de arte. É se construir muito mais ao longo do tempo e sair da generalidade, de servidão moral, para encontrar sua ética de vida, o que traz mais vida para cada um”, afirma.

Mas se engana quem pensa que a velhice é um processo marcado exclusivamente por perdas. Para Nobre, é imprescindível que seja encarada como uma fase da vida, e aqueles que enxergarem seus ganhos poderão ter um envelhecimento mais saudável. Ela ressalta, também, que ver as limitações com a chegada da idade também é uma maneira de demonstrar amadurecimento. “É um privilégio envelhecer na contemporaneidade, pois se trata da vida em sua primeira instância. Evocar as potências da velhice é ir além do que se perde e perceber sua liberdade de ser depois de passar tanto tempo preso nas amarras sociais e no cumprimento de expectativas alheias, como no trabalho e na família. É um momento também de estar mais maduro consigo”, aponta a psicóloga.

Com informações do UOL.

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