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Indiretamente Mandetta expõe alertas e discórdia com Bolsonaro

Mandetta avaliou que era "muito constrangedor" para um ministro da Saúde ficar explicando que, enquanto estavam indo por um caminho, o presidente ia por outro
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Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

Em depoimento à CPI da Covid nesta terça-feira (4), o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta expôs alertas e uma série de discórdias com o presidente Jair Bolsonaro (sem pandemia) perante a condução do governo federal no enfrentamento à pandemia do coronavírus.

Ao longo da fala, Mandetta – que não descarta se candidatar ao governo do Mato Grosso do Sul ou à Presidência da República em 2022 – buscou ressaltar que as ações à frente do Ministério da Saúde se basearam em evidências científicas. No entanto, evitou fazer ataques diretos a Bolsonaro.

“O que só me resta dizer [após fala inicial sobre sua gestão] foi a tomada de decisão em cima de três pilares: a defesa intransigente da vida, que foi o princípio número um – não haveria nenhuma vida que não fosse valorizada -, o SUS como meio para atingir e a ciência como elemento de decisão. Esses foram os três pilares sobre os quais construímos o eixo de prevenção, atenção, testagem, hospitalização e de monitoramento da doença”

“Nós [do Ministério] não tomamos nenhuma medida que não tenha sido pela ciência” e “todas as nossas orientações foram assertivas, foram pela ciência”, acrescentou, em outros momentos.

Segundo Mandetta, apesar de Bolsonaro aparentemente entender as sugestões apresentadas, o presidente atuava de maneira contrária dias depois.

Cada vez que se conversava com o presidente, ele compreendia. A gente falava: ‘Olha, não pode aglomerar; não vamos aglomerar; vamos usar máscara; usa o álcool gel’. Então, a gente saía de lá, sim, animado, porque era um corpo total que falava: ‘ok.’. E ele compreendia, ele falava que ia ajudar. Só que passavam dois, três dias e ele voltava para aquela situação de aglomerar, de fazer as coisas”

O presidente da República costuma se opor ao uso de máscara de proteção facial, ao isolamento social e já desdenhou de quem cobrava a compra de vacinas contra a covid-19.
Mandetta afirmou que o governo federal não quis promover uma campanha oficial contra a covid-19 e, devido à falta de um plano de comunicação, passou a conceder entrevistas diárias. Nas ocasiões, ele prestava informações, dava orientações e tirava dúvidas da imprensa.

Política de testagem descontinuada e vacinas em fase de testes Ao responder a perguntas do relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), Mandetta defendeu que sua gestão articulou a compra de kits de testagem, apesar de dificuldades por conta de uma carência mundial, e disse que a assinatura do recebimento dos produtos aconteceu na gestão de seu sucessor no cargo, Nelson Teich.

Mandetta afirmou depois saber que a estratégia acabou não sendo utilizada como o previsto. “Essa era, de uma maneira muito clara, a nossa estratégia: testar, testar, separar para diminuir o índice de transmissão desse vírus.

” Segundo Mandetta, enquanto à frente do cargo, as vacinas contra a covid-19 ainda estavam sendo testadas, com divulgação de lista de iniciativas pela OMS (Organização Mundial da Saúde), e não havia um plano ou uma diretriz para a aquisição dos imunizantes. Ele afirmou que, mesmo assim, pelo histórico de outras doenças causadas por vírus, “a gente sabia que a saída era pela vacina”.

Isolamento social era o “adequado”, defende O ex-ministro afirmou que, na época, entre março e abril, o isolamento social era “adequado por causa do índice de transmissão do vírus”. Ele ressaltou que havia poucos casos de coronavírus no Brasil até então e que o vírus chegou ao país por meio dos mais ricos vindos do exterior.

Para Mandetta, naquele momento, o sistema de saúde não estava em condição de responder a uma demanda e era preciso prepará-lo para quando o coronavírus se espalhasse pela massa da população. “Então, naquele momento, era fundamental que se fizesse uma fala una de prevenção de todos os brasileiros e se fizesse isolamento.”

Todas as recomendações as fiz com base na ciência vida e proteção, as fiz em público em todas as manifestações de orientação dos boletins, as fiz nos conselhos de ministros, as fiz diretamente ao presidente, as fiz diretamente a todos os secretários estaduais, todos os secretários municipais e a todos aqueles que, de alguma maneira, tinham no seu escopo que se manifestar sobre o assunto.”

Mandetta afirmou que alertou Bolsonaro e outros ministros sobre a necessidade de políticas de isolamento social, mas que houve discordâncias. Segundo ele, se percebia que havia, por parte do presidente, “outro caminho a tomar”, sem que houvesse um assessoramento do Ministério da Saúde naquele sentido.

Mandetta avaliou que era “muito constrangedor” para um ministro da Saúde ficar explicando que, enquanto estavam indo por um caminho, o presidente ia por outro.

Para o ex-ministro, “o Brasil não fez nenhum lockdown”, mas apenas medidas “depois do leite derramado”.

Resistência do governo perante a China e falta de clareza do país asiático

Mandetta disse ainda ter tido dificuldades com o então ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, numa época em que era “mais do que necessário que tivéssemos um bom diálogo com a China” para a chegada de insumos, e lembrou o mal-estar diplomático criado por meio de críticas ao país asiático do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) no Twitter.

Mandetta relatou ter ido ao Palácio do Planalto para tentar articular uma reunião com o embaixador da China em busca de ajuda e perguntou se poderia levá-lo à sede do Executivo federal. “E eles estavam todos lá, os três filhos do presidente, e mais assessores que são assessores de comunicação”. O pedido teria sido negado e a conversa acabou sendo por telefone.

Ainda assim, no depoimento, Mandetta questionou a transparência da China ao enfrentar a pandemia e diz ter faltado clareza.

“Acho que a falta de clareza da China e da Organização Mundial da Saúde, durante 45 dias, foi determinante não só para o Brasil, mas para o mundo. Depois, a falta de condições internacionais, a falta de liderança. O mundo claramente não tem governança mundial para um problema como esse”, disse, ao acrescentar críticas também a ações tomadas pelos Estados Unidos e pela Alemanha.

Aumento de produção de cloroquina e tentativa de mudança em bula

Em sua fala, o ex-ministro afirmou que o estímulo ao aumento da produção de cloroquina pelo Exército não partiu do Ministério da Saúde, porque a pasta já tinha a quantidade suficiente do remédio para as doenças para as quais tem eficácia comprovada, como o lúpus, e para o eventual uso em pacientes hospitalizados em estado grave com covid-19.

“Foi uma determinação feita, na minha época, como ministro, na minha época, como ministro, à margem do Ministério da Saúde.”

Aos senadores, Mandetta disse que foi apresentado a ele, em reunião no Palácio do Planalto, uma proposta de decreto presidencial para alterar a bula da cloroquina a fim de que o fármaco pudesse ser indicado para tratamento da covid-19. Segundo o ministro, a proposta estava em um papel não timbrado e sem identificação, apenas com uma minuta que sugeria a mudança na bula do medicamento.

O ex-ministro disse que o próprio presidente da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), Antonio Barra Torres, negou o pedido de modificação.

Mandetta diz que jamais pediria demissão em meio à pandemia

Mandetta ocupou o cargo de ministro da Saúde de janeiro de 2019 a abril de 2020, início da pandemia no Brasil. À CPI, ele disse que “jamais” pediria demissão em meio à pandemia e fez uma analogia de que um médico não pode simplesmente abandonar os pacientes.

“Eu tinha que ficar com o meu paciente, à revelia de tudo e de todos, baseado no que eu tivesse de melhor. Acho que o presidente não gostou, não quis, achou por bem ter um outro ministro, também colega, o Teich – ficou lá 20, 30 dias – e depois encontrou um ministro que parece que é com quem ele teve melhor afinidade nas suas ações. O meu compromisso era com o meu paciente chamado Brasil. E eu não o deixaria em hipótese alguma, mas também não negociaria os valores, não negociaria a formação que tenho”, declarou.

Quando foi demitido, a média móvel de mortes pela covid-19 era de 142 óbitos por dia — hoje é de 2.375. Mais de 407 mil pessoas morreram no Brasil em razão da doença.

Com informações do UOL

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